sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O Desfazer no Batuque Gaúcho

da de Corrêa (2006; 1998)5
em muitos pontos. Entretanto, as linhas que
seguem exploram um lado da religião que a produção antropológica não se
preocupou ou deixou em segundo plano, o desfazer.
Desfazer é o complexo de práticas relacionadas com a morte e os rituais
que ela implica, que não devem ser negligenciados, mas antes tomados
como tão importantes quanto as práticas que compõem o processo de
fazer o santo e a pessoa. Fazer, ligar (fazer laços), assentar, fi rmar o santo e
acumular obrigações6
culminarão no desfazer. A noção será utilizada neste
artigo para agrupar outros conceitos como desligar, embalar, quebrar, destruir
e terminar. Desfazer, portanto, será considerado em sua importância ritual,
para desligar na terra, para construir alhures, e não como a descrição de um
culto ou anti-culto aos mortos. No batuque de Oyó, veremos esses conceitos
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Corrêa (1998) apresenta a relação entre vivos e mortos e deuses e mortos, com ênfase
nos confl itos envolvidos. Enfatiza o caráter liminar da identidade dos eguns, o aspecto
transformativo que o aressum (missa dos mortos) representa para a alma da pessoa,
que se transforma em egum. Esse é, portanto, considerado um rito de passagem e um
anti-ritual. Os eguns, diferente do que acontece no lado de Oyó, podem incorporar
em corpos humanos. Além do mais, o aressum deve ocorrer todos os anos para que os
eguns não saiam de sua morada, o balé, para perturbar os vivos (ver Corrêa, 2006, p.
168-172; 1998, p. 93-102). Em sua tese de doutorado, o autor acrescenta que o egum
exerce papel duplo, promovendo ordem e caos nos rituais, sendo assim considerado
um anti-homem e um anti-deus, com comportamento anti-social (cf. Corrêa, 1998,
p. 102). Para uma crítica ao conceito de rito de passagem e a sua simplifi cação ante a
complexidade ritual, que não promove uma “ruptura defi nitiva”, mas uma “repetição
contínua” com exigência de cuidados cotidianos, ver Barbosa Neto (2012, p. 295-298).
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O conceito nativo de obrigação engloba o que tendemos a traduzir por objetos rituais,
por algumas ações e pelos próprios orixás em seus assentamentos. Obrigação designa
o fazer e o cuidar, mas também aquilo que fi ca guardado sobre as prateleiras, atrás das
cortinas, em sopeiras e manteigueiras. São as ferramentas e armas dos orixás, como a
chave e a foice do Bará. São, também, os próprios ocutás (pedras/assentamentos). E,
ainda, momentos, como os cortes (matanças), festas e outros eventos. Ouvimos falar do
tempo em que fi zeram sua obrigação, ou “[...] na obrigação da minha mãe vai ori (banha
de carneiro)”. Obrigação corresponde, também, ao cuidado cada vez mais obrigatório
que se passa a ter com os orixás, de acordo com a escala na hierarquia religiosa.

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